Liderança humanizada, revisão da cultura corporativa e tecnologia estão na pauta
O modelo híbrido, com alguns dias presenciais no escritório e outros em home office, é uma das principais tendências do mercado de trabalho para 2022. No mapeamento da 19ª edição do Índice de Confiança Robert Half, 50% dos 387 recrutadores entrevistados afirmaram que as empresas na qual atuam adotaram esse tipo de jornada, enquanto 28% retornaram ao modelo totalmente presencial e 8% permanecem em home office. Os demais ainda não definiriam como será o expediente.
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Uma outra pesquisa, da PwC Brasil em parceria com o Page Group, mostrou que 67% dos 633 entrevistados preferem o regime integral em home office ou o modelo híbrido com uma ou duas idas ao escritório na semana.
No atual cenário, empresas demonstram estar atentas e sensíveis a essa demanda dos profissionais pós impacto da pandemia. Mas não apenas no quesito modelo de trabalho mais flexível e infraestrutura. É possível notar uma preocupação em rever culturas corporativas, implementar uma gestão mais humanizada, adotar tecnologias que otimizem os processos.
Na Kimberly-Clark, uma das grandes mudanças durante a pandemia, relacionada à gestão de pessoas e ligada à flexibilização, foi a transformação digital da área de recursos humanos. Foram disponibilizadas novas ferramentas de tecnologia que ampliam o potencial dos times de RH para oferecer mais autonomia aos funcionários, simplificar rotinas operacionais, otimizar tarefas gerenciais e garantir mais oportunidades para o desenvolvimento de carreiras, incluindo um maior intercâmbio entre as diferentes áreas da companhia.
Com relação à otimização das atividades da liderança, hoje, os gestores de cada área têm mais agilidade, flexibilidade e autonomia nas tomadas de decisões relacionadas às suas equipes, incluindo contratações, movimentações e promoções.
Com essa mudança, alguns processos de gestão de pessoas que demoravam entre quatro ou cinco dias hoje podem ser concluídos em até três horas. Paralelamente a isso, os parceiros do RH alocados nas áreas de negócios, que agora estão liberados de muitos processos operacionais, passaram a ter mais tempo para focar em ações estratégicas. Entre elas as necessidades da organização para o presente e o futuro, o design organizacional e as estruturas de remuneração. “Além disso, mesmo com os canais e ferramentas digitais, nós seguimos reforçando a gestão por proximidade. Queremos estar cada vez mais próximos e abertos aos nossos colaboradores, apoiando em questões que impactem o seu dia a dia”, explica Felipe Balbino, diretor de RH da Kimberly-Clark Brasil.
Com mais de quatro mil empregados no Brasil, a multinacional diz que já era bastante flexível antes da pandemia, e permitia que os funcionários da área administrativa usufruíssem de dois dias em home office por semana. As sextas-feiras curtas a cada 15 dias também faziam parte da rotina. Hoje, essas mesmas pessoas precisam estar fisicamente no escritório em, no mínimo, 40% do total do expediente da semana. Os demais 60% podem ser cumpridos a distância, conforme acordo entre líder e liderado. A sexta-feira curta, por sua vez, agora é válida para todas as semanas, quando as equipes são liberadas às 14h.
A lista de adaptações ao novo momento mais flexível se completa com recomendações de boas práticas relacionadas ao agendamento de reuniões, ao respeito aos horários de trabalho, à proximidade entre líderes e liderados e ao acolhimento de novos funcionários, além de ações relacionadas à saúde física e mental do time. “Sabemos que o bem-estar dos colaboradores e a resiliência organizacional criam uma vantagem competitiva. Líderes realmente focados no futuro promovem o bem-estar de suas equipes, têm empatia com as necessidades únicas de cada grupo e veem o trabalho remoto como uma alavanca para atrair os melhores e mais diversos profissionais. Além disso, acredito que cuidado, empatia, flexibilidade e desenvolvimento são aspectos cada dia mais importantes na atração e retenção de talentos”, destaca Balbino.
Na Siemens, onde o home office uma vez por semana já era uma opção desde 2012, apenas o público operacional, das fábricas, tem trabalhado no modelo 100% presencial. Os demais empregados, que representam 85% do quadro, atuam em formato híbrido, sendo três dias no escritório e dois a distância, em uma escala determinada pelo próprio profissional. “A gente acredita que essa proposta sem amarras permite que os times e as pessoas se organizem organicamente conforme a necessidade e não por uma obrigatoriedade. Para nós da Siemens não existe dúvida de que temos plena competência para sermos produtivos de casa”, explicou Caroline Zilinski, diretora de pessoas e organização na Siemens no Brasil, em entrevista à editora de Carreira do Valor Stela Campos na série RH 4.0.
Uma pesquisa do Talenses Group e da Fundação Dom Cabral mapeou que 86% dos 686 profissionais entrevistados relataram que a própria produtividade no home office é alta ou muito alta.
Entre as muitas mudanças realizadas pela Siemens para se adaptar ao novo momento híbrido está a substituição da avaliação de desempenho pelo processo de “growth talks” ou “conversas de crescimento”.
Com a nova prática, os funcionários deixaram de receber notas de seus gestores por performance e comportamento anualmente. Em vez disso, a orientação é que os líderes mantenham diálogos individuais com os membros do time ao longo do ano, com base em quatro pilares: aprendizagem, feedback on time, desejos e expectativas sobre a carreira e reconhecimento. Na pesquisa global de clima organizacional e de engajamento o RH mapeia se as conversas de crescimento estão acontecendo com a frequência, qualidade e estruturação que elas merecem. “Há algum tempo, vínhamos reduzindo o peso dos rankings gerados pelas notas, porque percebemos que as pessoas são indivíduos muito únicos e, muitas vezes, é difícil, com um contexto gigantesco, você ir lá e atribuir uma nota para a performance daquela pessoa. Precisávamos mudar para algo muito mais amplo”, destaca Zilinski.
O incentivo, agora, é para que cada gestor sinta-se confortável para apresentar o seu próprio estilo de liderança, desde que, na essência, ela seja humana e respeitosa. “Temos capacitado os nossos líderes para se aproximarem dos seus liderados, fazer com que cada gestor seja o melhor para cada colaborador porque a verdade é que as pessoas são múltiplas e diversas. A gente acredita que quando cada um usa a sua força, a sua essência, todo mundo exerce o seu potencial de uma forma muito mais plena”, ressalta Zilinski.
Na empresa de soluções médicas Galderma, o principal aprendizado que o RH extraiu do período da pandemia está relacionado à flexibilização e adaptabilidade, com superação de desafios relacionados à conexão entre os times e as diferentes áreas. Segundo Guilherme Queiroz, diretor de recursos humanos para a América Latina, hoje impera “uma gestão de muito mais confiança e menos controle, focada no resultado do trabalho”.
O sistema de trabalho híbrido na Galderma, aderido por 100% dos funcionários alocados no escritório, segue a regra de até dois dias de home office por semana, com um diferencial: a recomendação é para que nenhum empregado - do jovem aprendiz ao gerente geral – agende reuniões às sextas-feiras. O direcionamento é para que, nesse dia, os profissionais tenham mais tempo para se dedicar às ações de planejamento e organização, além de finalizar as atividades da semana.
Nos dias de trabalho no escritório, funcionários usufruem de um ambiente totalmente reformado, que recebeu o nome de Co.Space. Trata-se de um espaço colaborativo, sem salas privativas ou lugares demarcados, projetado para ser um local de compartilhamentos de ideias e objetivos. “Queremos que o colaborador, quando for ao escritório, se sinta à vontade e que tenha mais momentos de interação com as outras equipes”, explica Queiroz.
O executivo diz que o “olhar mais humanizado” pós-pandemia trouxe ganhos no clima da organização, que foi refletido positivamente no resultado da última pesquisa de engajamento realizada em abril. Também teve como consequência uma relação mais aberta e de confiança com os gestores da organização. “Nós aprendemos muitas coisas com a pandemia, mas a principal é que, unidos, seja on-line ou off-line, podemos ir muito além.”
Na Serasa Experian, o modelo híbrido é o preferido de metade dos cerca de 3.800 funcionários. Outros 20% operam presencialmente e 25% estão em home office. Os demais (5%) fazem parte do time de vendas, que em razão da função estão sempre em trânsito.
Diante do cenário desafiador da pandemia, foi necessário adaptar não só as ferramentas, o processo de onboarding, a estrutura de trabalho e os benefícios, mas também as pessoas, com destaque para os líderes, responsáveis por conduzir as mudanças no modelo de trabalho, muitas vezes, abruptas e definitivas. “Nosso objetivo é ser a melhor experiência para talentos apaixonados pelo mundo de dados e tecnologia”, diz Flávio Balestrin, vice-presidente de recursos humanos da Serasa Experian.
“Estamos preparando lideranças para uma nova forma de executar e pensar as demandas do mercado de trabalho. É um processo de transformação muito grande.”
Atualmente, a Serasa Experian possui duas iniciativas principais para o desenvolvimento da liderança. A “Leadership Foundations” é uma plataforma de desenvolvimento baseada em um modelo de autoaprendizado e protagonismo, usufruída por cerca de 1.000 profissionais, entre gestores de equipes e funcionários em posições de liderança situacional. Já a “Liderança Transformadora” é caracterizada por ciclos trimestrais de atividades que envolvem treinamento formal e sessões de trabalho com o objetivo de aprofundar cerca de 90 líderes seniores no tema de liderança inspiradora. “Aprendemos que o cuidado com o ser humano deve ser sempre uma prioridade”, afirma Balestrin. “Nossas políticas como marca empregadora devem estar sempre voltadas para o desenvolvimento dos nossos colaboradores. Em um ambiente onde as pessoas se sentem seguras e satisfeitas os resultados acontecem.”
Caroline Zilinski, da Siemens, tem olhar parecido e comenta que as mudanças geradas pela pandemia colocaram o ser humano no centro de tudo, inclusive no ambiente corporativo. “Muito além de manuais, infraestrutura, benefícios, sistemas e processos de RH, é sobre relações. É sobre as pessoas entenderem que estarem juntas, seja virtual ou presencialmente, não é mais sobre o que é só bom para mim ou só o que é bom para o outro, é sobre o que é bom para nós dois juntos, sobre como a gente constrói isso juntos”, diz. “Eu acho que as pessoas estão tentando encontrar esse balanço na vida delas, tanto pessoal como profissional.”
Este conteúdo é uma produção do veículo Valor, escrito por Fabiana Barros em 26/05/2022.