Vamos imaginar uma situação clássica do mundo corporativo. Começa assim: a área de vendas está iniciando uma campanha com metas agressivas e precisa que a área de crédito lhe atenda com concessões arrojadas, o que pode aumentar os riscos de inadimplência e piorar a saúde financeira da empresa. O que costuma acontecer como consequência é um embate entre a política de crédito e as metas de vendas. Quem deve ceder?
Idealmente, as áreas devem chegar a um meio-termo, sempre considerando uma série de fatores para que ambas as operações sejam bem-sucedidas. Convidamos Antonio Suenaga, consultor e professor de crédito e cobrança do INFI (Instituto Febraban de Educação), para dar exemplos de como alinhar as ações entre as áreas.
Crédito e vendas: alinhando ações e expectativas
Pensada para o longo prazo, a política de crédito é sempre o maior oráculo a ser consultado. Ali estão todas as diretrizes, recomendações e limites de concessões. É importante que as áreas de crédito e vendas mantenham um diálogo constante e que a política esteja clara para todos. A questão é que isso nem sempre elimina a necessidade de novas negociações e da pressão envolvida em todas elas. E a empresa precisa vender!
"Para a área de crédito, vale verificar se a política menciona quando e como 'afrouxar' as regras em caso de necessidade pontual. Caso a pressão da área comercial continue, a área de crédito deve mostrar justificativas técnicas, principalmente com base na capacidade de pagamento dos indivíduos ou das empresas tomadoras", explica o professor.
É preciso ter os números e projeções em mãos para deixar claro sobre os riscos e impactos da inadimplência para os cofres da empresa. Nessas horas, tanto os dados internos quanto dados de mercado, como indicadores de inadimplência, são os melhores conselheiros e aliados para acalmar os ânimos do time comercial.
E se a política de crédito não resolver por si só?
Se as áreas de crédito e vendas não chegarem a um acordo, é hora de envolver o comitê de crédito e o conselho administrativo e financeiro da empresa (ou áreas equivalentes). São eles que vão aprovar uma eventual concessão de crédito mais arriscada e registrar as regras e os limites da operação. Eles também vão determinar o tempo máximo da aplicação desses critérios e fazer a gestão do risco de crédito junto à gerência responsável.
De qual dos Cs de crédito vale a pena abrir mão nesse momento?
Teoricamente, nenhum! Contudo, o professor Suenaga cita aqueles que não dá para desprezar nunca, nem relativizar: "O C de Caráter e o C de Capacidade de pagamento são os mais importantes. Você não pode conceder crédito a alguém ou a alguma empresa que não tenha condições de te pagar e que não demonstra credibilidade". Em compensação, ele afirma que é possível olhar com mais carinho para o C de Capital. A única coisa que não pode é relaxar com todos os Cs ao mesmo tempo!
Usando um exemplo B2B, a praxe é ir a fundo em pontos mais complexos da saúde financeira do cliente ou prospect. "Quando uma empresa tem balanço negativo, mas está em dia com os impostos e não tem negativações ou protestos, certamente tem um ponto preocupante relacionado ao capital. O caráter, porém, não está na berlinda. É bem possível que ela tenha capacidade de pagar pelo crédito e que faça bom uso dele para se recuperar", explica o professor.
Usando como exemplo as relações B2C, também não é proibido conceder crédito a quem está com saldo negativo ou pouco capital de giro. Vale considerar os dados financeiros do indivíduo e avaliar o seu caráter, procurando a melhor forma de alinhar o crédito à sua capacidade de pagamento. Em ambos os casos, é necessário ajustar as condições, os valores e os juros conforme a situação.